O som do silêncio
Danilo Fraga
Depois de conquistar o primeiro lugar no ranking da Billboard desta semana, o silêncio é o maior hit da música pop de todos os tempos. Foi esta a manchete de hoje nos principais newsblogs do mundo.
Num futuro muito próximo de vocês, a idéia de se comprar música na Internet parecerá repugnante de tão ultrapassada. Não existem gravadoras, selos ou lojas especializadas. A música é produzida por coletivos hackers espalhados pelo mundo e disponibilizada de graça em milhares de domínios espalhados pela a rede.
Foi neste contexto que a música do silêncio apareceu. Ninguém a inventou, ela apareceu. No futuro, não existem músicos e a música tem código aberto *. Esta mudança de paradigma foi de vital importância para a existência da música do silêncio. Durante seu desenvolvimento, usuários de todo o mundo podiam baixar o arquivo e contribuir para o resultado final com alguns segundos de seu precioso silêncio. Os estudiosos dizem que o arquivo já conta com alguns meses de extensão.
Os visionários do século XX, alguns babacas que se julgavam “avant-garde”, já haviam pensado no poder do silêncio como música. Vale citar a experiência de John Cage: questionando a idéia de que a música seria uma série ordenada de notas, Cage compôs 4'33", peça que os críticos estúpidos descreveram como "quatro minutos e meio de silêncio".
A música do silêncio nada tem a ver com a experiência de Cage. Seu principio básico é a aplicação de pequenas descargas elétricas no nervo auditivo do receptor, anulando assim toda e qualquer possibilidade de audição. Quem ouve a música do silêncio experimenta uma sensação nunca experimentada por qualquer ser humano, um silêncio comparável apenas ao que precedeu a explosão que deu início ao cosmo.
Como toda boa idéia, ela é simples e elegante. A música do silêncio é, ao mesmo tempo, um arquivo, um formato e um gênero musical. E, numa cidade barulhenta como a nossa, ela tem um valor inestimável.
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Quando a garota começou com aquele papo de que precisava ficar um tempo sozinha para pensar melhor na vida, Tommy acessou imediatamente o ftp de um site marroquino para atualizar o arquivo da música do silêncio no pequeno chip implantado em seu quarto nervo auditivo.
Não queria passar por aquele tipo de coisa novamente. No fundo, sabia que ela havia encontrado outro.
Recolheu suas coisas que estavam espalhadas pela casa e andou devagar em direção à saída. Ele esperava que ela voltasse atrás e dissesse que era tudo mentira. Esperava isso mesmo quando disse “adeus”. “É mais fácil dizer esses tipo de coisa quando você não tem que se ouvir dizendo”, pensou.
Não quis pegar o metrô naquela noite e saiu andando. Em meio àquele pesadelo agitado e monótono, ele caminhava só pelas ruas estreitas e pelas calçadas de paralelepípedo. Cruzava os corredores do conjunto habitacional em meio ao som do silêncio e, de alguma forma, experimentava a paz.
Tommy sempre achou que para tudo existia uma trilha sonora apropriada. Para a dor, a felicidade e principalmente para o amor. O barulho insistende e desordenado das grandes metrópoles, pensava, era a trilha sonora perfeita para a sua vida. Mas naquele momento experimentava o silêncio absoluto pela primeira vez, enquanto chegava ao centro da cidade.
Dez mil pessoas, talvez mais. Pessoas conversando sem estar falando. Pessoas ouvindo sem estar escutando.
Ele degustava o silêncio. E, talvez pela exclusão deste elemento [o som], Tommy passou a ser capaz de analisar todo o resto. De repente, toda sua vida passou a fazer sentido a seus olhos, enquanto ele atravessava aquela cidade que borbulhava silenciosa e silenciosas gotas de chuva caiam, ecoando no poço do silêncio.
Foi quando ele decidiu não mais ouvir. Fechava os olhos e encontrava uma paz nunca antes imaginada. “Olá escuridão, minha velha amiga. Estou aqui para conversar com você novamente”, pensava.
Hoje o profeta escreve nas paredes do metrô: “Logo o silêncio, o som mais insistente de todos”.
*Depois das intermináveis discussões sobre os limites sistema tonal, que acometeram a música erudita no século XIX e a música pop no final do século XXI, achou-se por bem esquecer de vez toda a notação músical. No lugar dela, adotou-se a noção de código, importada da semiótica da informação e das ciências da computação.
Leia outro conto sobre as músicas do futuro: O Clube dos Corações Solitários