O Clube dos Corações Solitários
Num futuro muito próximo estarão disponíveis em lojas de todo o mundo marca-passos das mais variadas marcas – criados, exclusivamente, para a diversão e entretenimento de seus donos.
Quando eles surgiram ninguém deu muita bola. Os primeiros aparelhos, de tão rudimentares, resumiam suas ações a marcar com bips cada batida do coração de seu dono. Depois deles vieram os com toques polifônicos, os que classificavam o estado emocional das pessoas a partir de sua quantidade batidas por minuto, os que davam choques relaxantes e outros excitantes, entre tantas outras inovações fúteis.
Foi somente nos últimos anos que essa tecnologia encontrou sua verdadeira razão de ser. Nem digo isso pela febre que o Clube Corações Solitários se tornou. Mas a idéia de que com um pequeno investimento (₤ 5,00) você possa fazer seu coração bater no ritmo de sua canção favorita me parece realmente revolucionária*.
Para um cidadão moderno, a simples idéia de não ter um aparelho desses plugado no peito parece, no mínimo, degradante.
...
Depois de minha última desilusão amorosa decidi voltar ao Clube dos Corações Solitários.
“... para desilusão amorosa tecle quatro”. Quatro.
Em uma hiper-prateleira bastante amigável, os perfis dos associados ficam separados por gêneros musicais, bem à moda das antigas lojas de disco. Um toque retro, que só aumenta o glamour do Clube. Do Pós-rock, digimetal, tecnojazz, as prateleiras iam passando na minha frente para que eu possa escolher meu novo amor.
Em um canto esquecido encontro Layla. You´ve got me on my knees, Layla.
Saímos para jantar, bebemos, fizemos sexo duas ou três vezes pelo ciberfone. Quatro dias depois tudo tinha acabado.
Não poderia mesmo ter dado certo. O meu coração estava mais para bolero – um samba-canção grave e patético. Já o dela batia calmo e inconstante. Um coração bossa nova. Dificilmente nossas batidas se encontravam em um mesmo compasso. Ora um, ora outro, estava atrasado. Mas isso não é uma história de amor. É sobre corações e músicas. Semana que vem estou de volta ao Clube.
* Parece tão romântica, a cirurgia cardíaca – ter o peito aberto e o coração entregue à mão de outro. Mas, todo procedimento não pede mais que alguns minutos, eletrodos coloridos e uma boa dose de morfina, para relaxar.
ilustração de Marina.