Quem tem direito?
“Nada do que é humano me é estranho“ [Terêncio, poeta e dramaturgo romano / 185 a.C – 159 a.C.]
Tatiana Mendonça
tmendonca@grupoatarde.com.br
Tem gente que tem coceira só de ouvir falar no assunto. Outros chegam a ser contrários à idéia e há aqueles que vivem para defendê-la. Direitos Humanos é um sonho, colocado no papel em 1948, de igualdade e liberdade para todos os homens.
Quando se fala em direitos humanos cabe criança que passa fome, preso que é torturado, gente que não tem casa ou trabalho, o menino que devia estar estudando e não vai para a escola.
O aumento da violência no País – levado a níveis extremos pelos ataques do PCC, seguido das 110 mortes de suspeitos pela polícia paulistana – aflorou os ânimos e a mentalidade de que "direitos humanos devem existir para humanos direitos", ou de que "direitos humanos é para defender bandidos".
Só para se ter uma idéia, em 22 de maio a Folha de S. Paulo noticiou que a sede da Comissão de Direitos Humanos da prefeitura de SP foi alvo de trotes e cartas anônimas. As mensagens, com xingamentos, atribuíam a causa da violência em SP aos direitos humanos.
Para saber como a cultura da vingança está presente, basta ver a liberdade com que pessoas falam sobre as mortes de suspeitos pela polícia. "Até agora 93 vagabundos mortos em 3 dias, fora os caixa 2 [risos]. E você irmão policial, tem feito sua parte?". Esse foi um dos comentários deixados no dia 17 [época dos ataques do PCC] por um homem na comunidade da Rota [regimento da polícia militar de SP marcado pela alta letalidade de suas ações] no Orkut.
Limite – Para o deputado estadual Yulo Oiticica [PT-BA], que participa da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa há oito anos, essa mentalidade vem da época da ditadura militar. "Os militares criaram essa imagem de que os defensores dos direitos humanos estavam defendendo bandidos. Mas acho que, apesar de presente, este estigma está diminuindo".
Ele acha que existe um desentendimento quanto à real ação dos defensores dos direitos humanos. "As pessoas têm que entender que nossa ação só existe quando a lei é violada. Nossa lei diz que a pessoa que comete um crime grave deve perder a liberdade, não diz que essa pessoa tem que ser torturada, nem passar fome".
Sobre o episódio do PCC, ele diz que as mortes de policiais não devem servir de permissão para a execução de suspeitos e inocentes. "No Brasil a pena de morte não é legalizada. Não é como na China, em que o condenado é executado com um tiro na nuca".
A jornalista Suzana Varjão, que coordena o Movimento Estado de Paz, concorda. "É preciso que a sociedade deixe de apoiar este tipo de discurso, que só beneficia a ineficiência. Não podemos passar 'cheques em branco' para o Sistema de Segurança Pública, porque, como todo sistema, ele tem falhas. E, neste caso, as ‘falhas‘ são vidas humanas tiradas a esmo. Não somos bárbaros e não queremos ver nossos familiares morrerem simplesmente porque têm o estereótipo do possível agressor: são pobres e negros".
Hay que endurecer? – Sempre que algum acontecimento mostra a situação caótica do nosso sistema de segurança, ressurge o debate para "endurecer" as leis. Yulo diz que algumas alterações precisam ser feitas, mas os direitos devem ser mantidos. "Hoje existem 19 projetos de lei em discussão no Congresso para reduzir a maioridade penal para 16, 14, 12 anos. A solução é colocá-los mais cedo nas cadeias ou em escolas de qualidade?".
Para Suzana, antes de criar leis é preciso cumprir as que já temos. "O que está gerando esta sensação de impunidade é o não cumprimento das leis . Todos os dias a televisão mostra, sem grandes esforços, prisioneiros usando celulares, e os diretores dos presídios parecem que não vêem isso. Temos que combater a corrupção".
Do contra
"Se você acha que só bandido tem direitos humanos... Se você acredita que protestar e fazer passeatas não adiantam nada sem o uso de severa punição... Este é o seu lugar!".
Essa é a descrição da comunidade "Eu odeio direitos humanos", que tem quase 8 mil membros no Orkut. O engenheiro Leandro Parente, 31, não pensou que tanta gente fosse se juntar à comunidade que criou. “Acho que isso reflete uma insatisfação generalizada da população. Quem não cumpre seus deveres deve perder os direitos. Mais vale o bem-estar dos cidadãos de bem do que o bem-estar dos bandidos".
Leandro, que mora no Rio de Janeiro e é a favor da pena de morte, acha as ONGs protetoras de direitos humanos “simplesmente patéticas, quase hilárias”. “Elas têm uma visão distorcida da realidade. Não reconhecem que estamos vivendo uma situação de calamidade pública, que pede medidas extremas".
A estudante de Direito Laura Callegari, 19, criou a comunidade “Direitos Humanos para Humanos Direitos“ [que tem 1.700 membros]. "Eles devem ir atrás dos direitos de quem realmente precisa, como as crianças que estão nas ruas. Se todos tivessem uma vida digna, nossa sociedade não seria assim".