Todas as Faces da Moeda
“O capitalismo está mudando mesmo. Ainda não temos um nome para esse novo sistema, mas ele funciona de outra maneira. Isso não significa que ele tenha se tornado melhor ou pior”, explica Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutor em ciências econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia.
Ainda existem a propriedade privada, o lucro e a lógica de mercado, mas a forma como esses três conceitos se relacionam é diferente hoje em dia. “Os mecanismos de concorrência foram substituídos pelos cartéis de grandes coorporações, o lucro sobre a produção pelo lucro especulativo e a propriedade dos meios de produção está sendo substituída por controle do conhecimento e da informação. Os grandes grupos de especulação enriquecem sem produzir nada, o que rompe com o princípio do capitalismo que seria remuneração proporcional aos aportes produtivos”, completa Dowbor.
Multinacionais - Com o desenvolvimento da globalização e o sucesso das políticas neoliberais, um dos fenômenos do capitalismo moderno é o poder crescente das grandes corporações multinacionais.
“As corporações de hoje se comportam como o Estado, como um gigante que nos 'dá' emprego, que nos faz sentir como participantes de uma elite por participarmos da sua marca e assim por diante”, explica Dowbor. Um dos efeitos dessa ação é a concentração de renda.
O Brasil tem a quarta maior concentração de renda do planeta, perdendo apenas para Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia, países africanos. Enquanto os 10% mais ricos no país ficam com 46,7% da renda, os 10% mais pobres se sustentam com apenas 0,5%.
“Nos termos da lógica capitalista, não há nada de errado nessa acumulação. As altas taxas de lucro são vistas como pilares do crescimento econômico e, por conseqüência, do progresso e da riqueza das nações. Segundo os mandamentos do liberalismo, o próprio mercado regula a economia”, explica Antônio Inácio Andrioli, doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück, Alemanha.
Ao Estado caberia a função de estimular esse processo, seja de forma indireta com infra-estrutura, pesquisa e qualificação de trabalhadores ou, diretamente, através de isenções de impostos e crédito facilitado.
“Na realidade, quando certas pessoas passam a ganhar dezenas de milhões de dólares por ano, elas não vão poder consumir mais, pois uma pessoa só pode consumir um certo volume de caviar e de champagne. Elas buscam mais renda porque o dinheiro, a partir de certo nível, não eleva a qualidade de vida, mas assegura mais poder”, explica Dowbor.
Democracia - “Por alguma razão, um mínimo de inteligência social nos levou a abandonar as formas autocráticas de poder político e construir democracias. Hoje, o poder econômico, transformado em poder político não tem nenhum controle. Está na hora de pensarmos nisto”, questiona Dowbor.
A democracia política foi um grande avanço, se considerarmos a proximidade histórica da época em que reis exerciam poder por “direito divino” e das diversas formas de ditadura, que existiram e ainda existem. Para uma corrente cada vez mais forte das ciências econômicas, chegou a hora de pensar em um tipo de “democracia econômica”.
Na década de 40, Bertrand Russell escrevia, no livro “A História da Filosofia Ocidental”, que que lhe parecia estranho considerar absurdo uma família real mandar em um país, quando é considerado normal que uma família como a dos Rockefeller ter o poder econômico e político que eles tinham.
“Achamos natural exigir transparência política. E a transparência corporativa? Achamos um escândalo dirigentes políticos terem salários de R$ 20 mil, pois se trata do dinheiro que pagamos via impostos. Mas achamos natural que um dirigente empresarial tenha um salário de R$ 20 milhões, ainda que o seu salário esteja incluído nos preços que pagamos pelos produtos. Este dinheiro é de quem?”, questiona Dowbor
A democracia econômica diz respeito à idéia de que o poder sobre o capital deve ser exercido de acordo com um pacto social e de forma democrática. Para Dowbor, é preciso estipular não só um salário mínimo, como também alguma forma de controlar a renda máxima possível para cada cidadão.
O imposto sobre a fortuna, como aplicado na França, combinado com o imposto sobre a herança, deveria assegurar um mínimo de equilíbrio social, ainda que as grandes fortunas estejam se deslocando para os mais de 50 paraísos fiscais dispersos no planeta.
“O problema são os donos das grandes fortunas. Em termos políticos, os cálculos mostram que são os únicos que perderiam com uma relação máximo/mínimo deste tipo”, explica.