Apocalipse Now
Confira a entrevista com o Pe. José Bortolini, mestre em Sagrada Escritura pelo Instituto Bíblico de Roma e autor de “Como ler o Apocalipse”, que conta a história do anticristo.
O que o senhor acha dessas previsões de datas para o nascimento do anticristo? Elas têm algum sentido? Hoje é 06/06/06, o dia é hoje?
Pura bobagem. Olhem para trás. Quantas previsões, todas fracassadas. Deve-se aprender com essas previsões frustradas e frustrantes.
Porque o número 666 exerce tanto fascínio?
Esse número é sem dúvida o mais enigmático no diversificado e vasto quadro do simbolismo numérico do Apocalipse. Proporcionou muita especulação, fantasia e folclore. Um dos motivos é sem dúvida a distância temporal e sobretudo cultural entre o Apocalipse e nós. Para o povo daquele tempo era simples e rápido matar a charada. 666 é um recurso de gematria, processo em que se atribui valor numérico às letras. Isso valia para judeus e gregos, que não tinham algarismos, como os árabes e romanos. Cada nome tinha seu número. Escrevendo César Nero em hebraico (QSR NRWN) e somando os valores numéricos dessas letras obtém-se 666.
As profecias do Apocalipse podem ser tomadas no sentido literal, ou são metáforas para alguma coisa?
O Apocalipse é um livro altamente simbólico. Sua linguagem é codificada. Não pode ser tomado ao pé da letra. Mais ou menos como fez o Chico Buarque com suas letras no tempo da ditadura militar e censura federal. Ele cantava “Pai, afasta de mim este cálice”, querendo dizer: “Pai, afasta de mim este CALE-SE”. Para o bom entendedor...
Qual o significado original do Apocalipse e como ele é tomado nos dias de hoje?
O Apocalipse é um livro para tempos difíceis. Em que consistiam as dificuldades desse tempo? Ele foi escrito por volta do ano 95 da nossa era, tempo em que as comunidades cristãs eram violentamente perseguidas pelo império romano, tendo à frente o imperador Domiciano. Se alguém fosse denunciado como cristão, seria conduzido ao tribunal, julgado, condenado, morto. Além disso, o sincretismo religioso ameaçava destruir as comunidades por dentro, diminuindo-lhes ou até mesmo suprimindo totalmente a lucidez profética e a capacidade de resistir contra o imperialismo romano.
Hoje há gente que faz uso errado desse livro. Tirando-o do seu contexto, fazem dele gato e sapato, transformando-o em livro sinistro e ameaçador. Grave injustiça!
Como o Apocalipse pode nos ajudar a pensar os conflitos humanos?
Sendo um livro nascido em contexto conflituoso, o Apocalipse é um espelho da vida, campo em que se opõem forças antagônicas, bem x mal. Mas esse livro não é derrotista, pois no horizonte de nossa história brilha a Nova Jerusalém, terra sem males. Enganam-se os que pensam que a Nova Jerusalém seja uma proposta para o além, o pós-morte. Ela é um projeto humano para os humanos.
O mesmo acontece com histórias sobre o fim do mundo e o nascimento do anticristo, por que elas fazem sucesso no cinema, livros ou quadrinhos?
Como o senhor vê a popularidade dessas histórias [em filmes como "A Profecia"]? O Apocalipse e as histórias da bíblia são bem contadas?
Não vi esse filme e não perco tempo com isso. Normalmente são leituras fundamentalistas e distorcidas da Bíblia. Não estou aconselhando a boicotar essas produções, mas apelando ao bom senso: elas pouco ou nada têm a ver com a mensagem da Bíblia.
Afinal, o anticristo virá mesmo?
Se prestarmos atenção à Bíblia, há somente um livro dela a falar do Anticristo – a 1ª Carta de São João. Aí se afirma – por volta do ano 100 da nossa era – que o anticristo já estava presente: eram as pessoas que negavam a divindade de Jesus Cristo.