O som de tambores e picapes
p/ Neila Santos
O Festival da Paz deste domingo não traz muitas novidades, principalmente em suas atrações. Como sempre, no palco do evento vão tocar os “sucessos“ do pop/rock nacional – neste ano, serão Jota Quest, o insuportável Armandinho do Reggae e Los Hermanos, que tocam por aqui de 15 em 15 dias. Público garantido.O espaço para as bandas baianas se resume a um show de Diamba, que segue a mesma lógica só que em escala menor.
Seria tudo o mesmo de sempre se não fosse a apresentação de três bandas da ONG baiana Eletrocooperativa – que tem como objetivo a inclusão social e musical.Os grupos Afrogueto, Império Negro e Eletropercussiva vão ter apenas 30 minutos para se apresentar, nos intervalos entre os shows principais. Depois, todos vão se reunir no palco para fazer um show conjunto. É pouco tempo, mas é a única coisa que salva o Festival da Paz da mesmice.
“A gente está quebrando as barreiras para o rap em Salvador.Por isso é importante tocar em um festival bem estruturado como este“, conta Xarope, do Império Negro. Mas parece que as três bandas de rap têm mais a oferecer ao público do evento do que o Festival da Paz [que prega a inclusão social, mas cobra R$ 30 para ficar na pista e entre R$ 70 e R$ 100 para os camarotes] pode acrescentar em suas carreiras.
PODE MISTURAR – Os três grupos têm propostas muito semelhantes, que dizem respeito à mistura da batida eletrônica com a percussão baiana, vocais de rap e letras com críticas sociais. “A filosofia da Eletrocooperativa é resgatar a ideologia do tambor com a cultura da picape“, conta MC Loco, da Eletropercussiva.
Esse tipo de sonoridade é interessante, especialmente em uma época em que o rap brasileiro [principalmente em São Paulo, mas também no Rio] fica cada vez mais conservador. As batidas do rap americano são assimiladas sem maiores problemas por rappers como MV Bill e os integrantes dos Racionais MCs – para retratar a realidade da favela brasileira. Já a mistura com outros ritmos quase nunca é bem vista pelos fãs do gênero – é só notar a reatividade com que o trabalho de Marcelo D2 ou o novo disco de Rappin Hood, por exemplo, é recebido pelos integrantes do movimento hip-hop.
“Ninguém no mundo faz o que nós fazemos, misturar rap com a tradição dos tambores afro-baianos“, conta Jorgeilton “Paizão“, da Eletropercussiva.“Temos até uma música chamada ‘Pode Misturar‘. É que a gente mistura mesmo“. O resultado geralmente é bom.
Ensaio da Eletropercussiva
POUCOS TAMBORES – O grupo Império Negro é o que está mais próximo do rap paulista. As letras falam do cotidiano das favelas soteropolitanas e as batidas geralmente são bem ortodoxas, pouco se ouve dos tambores baianos nas músicas da banda.Apesar disso, em algumas faixas, além do raggamuffin, dá para ouvir alguns ritmos do candomblé.
No meio do caminho está o Afrogueto, em cujas canções já dá para ouvir uma batida de samba por aqui ou um tambor acolá. A união entre a batida do rap e dos tambores baianos pode ser realmente ouvida nas músicas da Eletropercussiva – essa mistura já pode ser vista no nome da banda. O grupo quase abdica do modo de cantar do rap, em favor de um canto próximo ao manguebeat.
Até a batida baiana tirar quase vira um maracatu tocado com bumbos e timbales. “Pode Misturar“ ou “Mandai Alforria” poderiam ser facilmente encontradas em um disco da Nação Zumbi. Em outras músicas, como ”Saudações do Quilombo” eles chegam mais perto da apropriação da batida baiana.
A idéia é boa, mas falta levar o projeto para frente e investir em arranjos mais complexos. Por enquanto, resta subir ao palco do festival e ver a reação do público.
Ouça:
Império Negro - Desgosto
Império Negro - Relógio
Afrogueto - Evoluem os que mais agem
Afrogueto - Rolé
Eletropercussiva - Saldação dos Quilombos
Eletropercussiva - Mandai Alforria