Rock Brasileiro 2: O ritmo do momento.
Nos episódios anteriores soubemos como o cinema trouxe o rock para o Brasil.
Não demorou muito para que a insipiente indústria fonográfica brasileira percebesse no rock and roll o produto ideal para atingir um mercado até então inexplorado: a juventude1. Menos de um mês depois da estréia de “Sementes da Violência” nos cinemas, já se podia ouvir no programa de César de Alencar (Rádio Nacional) uma versão de “Rock Around the Clock”.
Naquele momento, em meio a foxes, swings e twists, o rock and roll ainda parecia ser encarado no Brasil como apenas outro modismo para as pistas de dança. Neste cenário não parecia tão estranho que “Rock Around the Clock” fosse cantada por Nora Ney – uma cantora consagrada por samba-canções como “Ninguém me Ama” que, até então, nada tinha a ver com o rock and roll. Longe de ser percebido por aqui como um gênero musical [com convenções sonoras, de performance e ideologia próprias], até então o rock and roll era apenas um ritmo divertido e uma dança engraçada.
Então com 33 anos, Nora cumpria o papel de preencher o vácuo de jovens artistas no Brasil. Estes só foram entrar em cena alguns anos depois. Até lá, a difusão do novo ritmo era legada aos crooners consagrados na rádio brasileira, como a própria Nora Ney, Cauby Peixoto, Agostinho dos Santos e Carlos Gonzaga. Em um momento em que o rádio cumpria um papel central na indústria cultural brasileira, suas práticas, hábitos, regras, em suma, seu capital cultural parecia se sobrepor às exigências do insipiente campo do rock brasileiro que apenas começava a se desenhar por aqui.
Havia assim, um descompasso entre a performance proposta nas canções de rock e a performance de seus intérpretes. Os gritos agudos e andrógenos de Little Richards, o forte apelo sexual de Elvis Presley, a agressividade de Jerry Lee Lewis ou a melancolia de Jonny Cash eram substituídos pela voz grave e abaritonada, o sotaque arcaico (com erres arrastados), a pronúncia carregada e afetada, alongamentos vocálicos e os maneirismos vocais (como o vibrato) de “homens feitos” tinham pouco a ver com a rebeldia do rock nascente. Até mesmo a voz de Nara soava muito grave e madura para o rock and roll.
Do mesmo modo, a subversão comportamental do rock, sua relação a velocidade, com a liberação sexual, mesmo que pueril e adolescente, não tinha nenhum eco por aqui. Este descompasso se refletia nos arranjos das canções, em que as guitarras cediam espaço para uma orquestra de cordas no estilo Big Band – tão em voga na época. De rock and roll só restava, quando muito, alguma coisa de sua faceta musical, o compasso quaternário, o ritmo agitado e as letras juvenis.
Por causa da mediação do rádio, o universo imagético do rock no Brasil daquela época estava ligado diretamente aos conjuntos de baile: rapazes bem vestidos com terno, gravata e cabelo bem arrumado. Era isso que possibilitava que os velhos astros do rádio cantassem rock sem causar muito constrangimento.
“Rock and roll em Copacabana”, de 1957, é apontada como a primeira composição de rock and roll em português. Ela foi composta por Miguel Gustavo e gravada por Cauby Peixoto – último astro masculino da era do rádio, que assinou com o pseudônimo Coby Dijon, sua incursão pelo rock. "Revira o corpo, estica o braço, encolhe a perna e joga para o ar / Eu quero ver qual é o primeiro que essa dança vai alucinar / E continua a garotada na calçada a se desabafar / Eu vou cantando, até agora não parei nem para respirar", dizia a letra. A guitarra elétrica que não aparecia em “Rock and roll em Copacabana”, soou pela primeira vez em um rock cantado em português em “Enrolando o Rock”, de Betinho e lançada no mesmo ano.
As duas canções seguiam a tendência da época, só diferiam no fato de serem composições próprias em meio a um sem número de versões. O aproveitamento de canções em inglês por artistas brasileiros de outros gêneros através de versões tornou-se comum – até porque os selos que lançavam o rock and roll nos EUA não tinham representação por aqui, o que tornava mais fácil o “plágio”. Assim, podíamos ouvir Agostinho dos Santos cantando “Até Logo Jacaré” (“See You Later Alligator”), ou Carlos Gonzaga cantando “Meu Fingimento” (“The Great Pretender”), entre outros exemplos.