Não sei, leia na minha camisa
Seguindo a nossa linha inside the jornalism posto aqui a íntegra da entrevista com Maria Eduarda Araujo Guimarães, Doutora em Ciências Sociais e Professora do Programa de Mestrado em Moda, Cultura e Arte do Centro Universitário Senac -SP, que foi fonte da matéria "O Meio Ainda é Mensagem", publicada na terça feira passada no Caderno Dez! e nesse humilde, ma non troppo, blog.
Dez! - Que papel ou papéis o vestuário cumpre nos cenários urbanos atuais?
O vestuário sempre teve uma função de comunicação, pois estabelecia a relação de cada indivíduo com a comunidade. O traje revelava a vinculação a uma determinada classe social, gênero, idade, profissão, etc. Os códigos eram bastante rígidos, inclusive com proibições, chamadas leis suntuárias, que impediam que os outros estratos sociais utilizassem tecidos, cores e adereços que apenas a nobreza poderiam usar. Com o crescimento das cidades, entre os séculos XVI e XIX, as pessoas começaram a circular por territórios em que ninguém as conheciam e com isso, crescem as possibilitando do uso de roupas e adereços que não correspondiam à posição social, idade, profissão. etc. Dessa forma rompe-se a relação entre o ser e o parecer. Atualmente, a circulação das pessoas nos grandes centros urbanos é ainda mais intensa, de modo que não existem referências reais sobre quem são essas pessoas e a forma como elas escolhem o seu vestuário pode ser considerada como o primeiro sinal de identificação, ainda que nem sempre corresponda à realidade. Numa sociedade como a atual em que a velocidade da informação é cada vez maior, o vestuário também tem seu papel a desempenhar no sentido de comunicar aquilo que somos, ou pretendemos ser, a forma como queremos ser reconhecidos.
Dez! - Como funciona o mundo da moda jovem nos dias de hoje?
Os jovens são, com certeza, o grupo mais visado pela indústria da moda. A necessidade da criação de uma identidade que esteja vinculada a um grupo faz com que seja entre os jovens que surjam os grupos de estilo: punks, rappers, darks, rockers, patricinhas, enfim, uma variedade de estilos desfila diante de nós diariamente e nos apontam as escolhas e formas de ver o mundo e ser visto no mundo que os jovens adotam e que se reflete no modo como constroem a sua aparência.
Dez! - Qual a influência da cultura de massa na elaboração desse papel?
A indústria cultural é uma das maiores referências para a moda, em especial a moda jovem. O cinema, a televisão e a música podem ser apontados como fonte para a criação e difusão de estilos na moda. Atrizes e atores, cantores e cantoras, modelos e esportistas são imitados em suas roupas e aparência física.
Dez! - Pode-se considerar a moda como um meio de comunicação de massa?
A moda como parte do mundo da cultura é também forma de comunicação, que se estabelece de forma não verbal. As informações que a moda difunde dão conta da variedade de identidades que os indivíduos assumem, já que a moda é uma das formas mais recorrentes para a expressão das identidades.
Dez! - Como é possível construir identidades individuais e coletivas a partir do modo de se vestir?
A construção das identidades é um sistema dinâmico no qual o indivíduo pode intervir sobre si e se reestruturar a partir da criação de múltiplos papéis sociais. As escolhas na forma de vestir estão relacionadas com essa construção de identidades e por isso, além de expressarem uma individualidade, estão relacionadas ao pertencimento a um ou mais grupos de identificação. A moda, nesse caso, funciona como elemento de ligação entre o grupo, a medida em que é compartilhada por seus membros com uma forma de representação das aspirações e estilos de vida comuns, que são exteriorizados a partir da escolha do vestuário.
- Pode-se dizer que as camisetas com dizeres irônicos, imagens apropriadas da cultura de massa ou customizadas são uma forma de construção dessas identidades?
A camiseta, mais do que qualquer outra peça do vestuário, pode ser apontada como forma de expressão, individual ou coletiva. Uma das peças do vestuário mais democrática, ela veste jovens, crianças e idosos, homens e mulheres, ricos e pobres. Além disso, passou a ser uma forma de expressão, veiculando todo tipo de inscrição: de campanhas institucionais, como a do combate ao câncer de mama, cujo símbolo dos círculos pretos e azuis que formam o logotipo da campanha foram amplamente difundidos pela circulação das camisetas, até expressão de mensagens individuais, como a do capitão da seleção brasileira de futebol de 2002, Cafu, que mostrou para o mundo todo uma camiseta com a inscrição "100% Jardim Irene" quando levantou a taça conquistada pelo time brasileiro. Verdadeiro papel em branco, a camiseta deixou de ser apenas um produto da indústria da moda para se transformar em forma de comunicação e expressão das identidades.
Dez! - Você acha que ainda existe um fetiche da marca nos jovens? Ou isso tem importado cada vez menos? Por quê?
A marca vale não pelo produto em si, mas pelo que ele simboliza. Comprar produto de uma determinada grife é uma tentativa de fazer parte daquele universo representado pelo produto. Uma bolsa é algo para se carregar objetos, não é? Mas nem todas as bolsas são iguais, ainda que todas cumpram a mesma função. Algumas trazem nomes e logotipos que remetem a um mundo de luxo e glamour que muitos querem compartilhar. Como nem sempre isso é possível, vemos cada vez mais a ampliação da falsificação. Quanto mais desejada uma marca, mais falsificada. A aquisição de um produto de uma determinada marca, ainda que falsificada, cria uma idéia de pertencer a um grupo de consumidores que sabem o que é estilo e bom gosto. Os jovens, por estarem em uma fase da vida em que as definições acerca da sua identidade ainda estão se formando e, por isso, estão ainda em busca das suas referências, é o grupo que mais vê nas marcas uma forma para estabelecer essa identidade. Lógico que isso não é uma regra e existem grupos de jovens com outras preocupações e que se posicionam em relação às marcas com muito menos interesse do que outros.